Foi o meu irmão que me convenceu a enviar o testemunho que vou partilhar.
Convenceu-me porque ele sabe que eu preciso de desabafar, porque nunca falo sobre isto mas muitas vezes tenho vontade.
Eu já conhecia o blog, mas não me sentia capaz de partilhar uma fase tão difícil que não foi vivida por mim na primeira pessoa.
Mas vi que nem sempre é a primeira pessoa que tem partilhado a experiência e decidi escrever.
Venho contar a caminhada de luta que o meu marido passou.
Estava eu grávida de 2 meses da nossa filha quando o meu marido começou a ter vários sintomas que não estava bem.
Na altura preocupamo-nos pois estando eu grávida não convinha apanhar gripes ou outro tipo de coisas similares.
Ele tinha febre, cansaço, pouca energia, dormia muito mal e então depois de uma ida ao centro de saúde era sem dúvida uma gripe.
Foi medicado e a febre lá ia e voltava. Ele continuava cada vez mais cansaço e com menos força.
Voltámos ao médico e nas analises aparecia uma infecção. Portanto, tinha sido um vírus ou qualquer coisa semelhante. Mais medicação e nem por isso as coisas melhoravam.
No dia que fiz 5 meses de gravidez fomos a mais uma consulta e durante a ecografia o Renato caiu desmaiado no chão.
Ao inicio houve a brincadeira da emoção, porque se ele queria assistir ao parto, como era se não aguentava uma ecografia.
A minha médica chamou o enfermeiro que rapidamente o levantou e sentou na marquesa.
Depois de beber água e de brincar com a situação disse que não se estava a sentir bem.
A minha médica olhou para ele, foi falar com um colega e perguntou-nos se tínhamos tempo, assim ele era visto por outro médico.
E foi assim, fez exames e 8 dias depois soubemos o resultado.
O Renato tinha leucemia.
Não me lembro o que senti ou pensei, porque devo ter apagado durante algum tempo.
Os primeiros tempos foram terríveis, não tenho outra forma de descrever esses momentos.
Chorei todos os dias durante semanas.
O Renato escondia-se para chorar, mas também chorava.
Tudo começou de uma forma muito rápida e sem eu me aperceber fiquei sem o Renato, ele foi internado e eu tive que ficar de repouso absoluto fechada em casa.
Nem eu podia estar com ele, nem ele comigo em casa.
Foi um autêntico desespero.
Valeram-nos os amigos e o meu irmão.
Mas as pessoas também se esgotam e têm a vida delas e passei muito sozinha e o Renato também.
Quando a Maria nasceu o Renato não a conseguiu ver, estava muito debilitado na altura, os tratamentos eram muito agressivos e ele estava cada vez mais fraco.
Eu não me conseguia desdobrar e durante algum tempo, sentia que o estava a abandonar.
Excepto o meu irmão, a nossa família viveu isto de uma forma muito peculiar e raramente esteve presente.
E deve haver poucos momentos na vida tão difíceis como ter um recém-nascido em casa que não me deixa fazer nada e um marido internado em estado muito complicado.
Mas a nossa Maria deu-lhe uma força muito grande e a vontade de ele vir para perto da Maria falou mais alto e ele começou calmamente a melhorar.
Os meses passaram e conseguimos a paz que precisávamos.
O Renato conseguiu melhorar, mesmo que depois tivesse voltado a piorar e voltado ao internamento, acabando mesmo por precisar de um transplante.
Mas hoje, está tudo bem.
Estamos todos bem. Em paz.
Tivemos a sorte de conseguir um dador, o transplante correu muito bem e agora vivemos em pleno os três, com o meu irmão por perto.
Como disse em cima, escrevi este testemunho para desabafar, para exteriorizar aquilo que raramente partilho e para mostrar que por vezes a vida é muito difícil, muito estranha e que não entendemos porque as coisas acontecem.
Mas também que temos que ter muita força e lutar para conseguirmos o pleno.
Agradeço à minha médica que sempre me apoiou, ao hospital, aos profissionais de saúde que me substituíram sempre que não pude ir às visitas e sobretudo ao meu irmão, que mudou de cidade e de vida para nos ajudar e ao dador que tornou possível a vida do Renato.
E não é porque a família nos vira as costas que somos menos capazes seja do que for.
Só não nos podemos agarrar a essas coisas, temos que conseguir ignorar mesmo que seja difícil e seguir em frente.
E também não nos podemos culpar, porque cada um é livre de escolher ficar ou abandonar.
Temos que saber viver com isso e aprender essa lição.
Hoje somos os 4, eu, o Renato, a Maria e o meu irmão e somos muito felizes.
Sejam dadores, ajudem quem precisa.
Por favor, sejam dadores.
Fotografia meramente ilustrativa.
Créditos da fotografia: Fernando Pereira
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