Carta aberta a jovem com cancro

Há uns tempos uma publicação convidou-me a escrever uma carta para um jovem recém diagnosticado com cancro, e hoje decidi partilhá-la convosco.

 

Se acabaste de saber que tens cancro e se me estás a ler, tenho algumas coisas para te dizer.

Não foi só a ti que isso aconteceu, por isso, não te autoflageles com a pergunta “Porquê a mim?”.

É permitido chorar. Ou rir. Ou teres a reação te apeteça.

Não há guião ou fórmula mágica a seguir.

Levar com a notícia é muito semelhante a levar um pontapé com toda a força na cabeça e ficar com um zumbido nos ouvidos, até cairmos em nós.

Sim, é verdade que podemos morrer. Nós e todos. Todos mesmo, até aqueles que não têm cancro.

Não é obrigatório recebermos a notícia e sermos politicamente correctos ao ponto de:

“Obrigada Sr. Doutor por me dizer que tenho um cancro.”

Gritar. Chorar. Desancar. Desmaiar. Embalsamar.

Vale tudo… sem pensar no que os outros pensam ou acham.

A maior tendência é para te ires lembrar de todas as pessoas com cancro que conheceste e que morreram. Mas vou contar-te um segredo: há muitas mais que tu conheces (e se calhar nem sabes ou lembras) que já tiveram e sobreviveram.

E agora vou dizer-te um cliché (que nem sempre é cliché) que vais ouvir muito:

“Cada caso é um caso.” É mesmo. O nosso organismo tem um ADN próprio e reage às coisas de forma diferente dos outros. Por isso, nada de lembrar daquela prima da porteira da tua melhor amiga, porque és um ser único e individual e é isso mesmo que vai acontecer quando o tratamento entrar no teu organismo. Vai-te fazer um fato à medida.

Se for para lembrar de histórias, que sejam das felizes!

Olha eu por exemplo! Lembra-te de mim ao invés dessa vizinha que nem sabes se existe.

Agora vou dizer-te o que o médico que me operou me disse:

“Vais ter uma caminhada dura pela frente, mas é uma fase!”

Na altura, apeteceu-me mandá-lo levar onde levam as galinhas, mas ao fim de uns tempos percebi que ele estava coberto de razão.

É mesmo uma fase, não é a tua vida. E vai passar. Repito: vai ser duro, mas vai passar.

Sabes aquela frase “um dia de cada vez”? Mais um cliché não é? Aqui não tens mesmo outra hipótese. É o melhor! Vai se levando conforme o que for acontecendo.

Habitua-te aos clichés porque é o que mais vais ouvir. Sempre que ouvia um pensava para mim: “Desejo que te nasça um coqueiro polvilhado de pimenta caiena no rabinho.” Mas a verdade é que muitos deles, a médio-longo prazo acabam por fazer sentido.

Vão tentar convencer-te que depois de passares isto, vais ver a vida de outra maneira…

Pois… vais mesmo, mas isto é uma doença, não uma ida aos Jogos Olímpicos, portanto vamos dar o valor (real e sincero) que cada coisa tem. Nada de dramas exagerados, mas também nada de floreados desajustados.

E não tenhas medo da palavra cancro, conheço uma senhora que se chama Juvenália (nome bem mais feio que cancro) e é do mais querido que há.

É só uma palavra.

Quando começares os tratamentos, prefere dizer:

“Um tratamento já está feito, já só faltam 8.” Do que: “Ainda só fiz um, ainda me faltam 8.”

Ajuda a tua mente a ter atitude positiva, ela vai estar baralhada e precisa que a orientes.

Alia-te ao bom humor, evita pessoas tóxicas cheias de histórias negras para contar. Lembra-te que os teus ouvidos não são ecopontos.

E vais perceber que nem todos os amigos com quem bebes uns copos no Bairro Alto ou que apanhas Pokémons na escola são os amigos que vão lá estar na junto da tua cama. Mas isto faz parte. Não valorizes muito e aceita que há amigos que são só para isso mesmo. Os verdadeiros, irão aparecer.

Trabalha em equipa (é mais fácil). As pessoas que escolheres para estarem contigo nesta fase, família e amigos, partilha com eles o que te vai na alma, sem “se’s” ou “mas”. Abraça-os sempre que precisares de um colo. Não precisas de explicar nada, simplesmente abraça.

Vais ter alguns (ou mesmo muitos) motivos para chorares e desesperares, por isso, não gastes energia com coisas ou pessoas que não merecem.

Quando tiveres careca, não te escondas por favor! Assume da forma que melhor te sintas. Com lenço, peruca, boné… o que for, mas não tenhas vergonha.

Se preferires peruca, usa assim umas bem divertidas. Eu careca ficava gira que se fartava (modéstia não me falta), mas devia ter usado umas perucas assim bem irreverentes. Aproveita esta fase para te divertires, dentro dos possíveis.

As pessoas vão olhar para ti na rua. Vão mesmo. Mas lembra-te que as pessoas adoram ver os reality show’s e vibram com o Facebook e outras redes sociais, porque gostam da vida alheia. Neste caso as pessoas vão olhar por todos os motivos, mas nenhum deles por mal. Não fiques triste. Devolve-lhes um sorriso.

Faz as perguntas aos médicos ou enfermeiros que queiras ouvir as respostas.

Não deixes que te diminuam por seres jovem.

Agora assim em nota final:

Foca-te. Se tiveres fé, reza. Faz o que mais gostares. Come saudável. Se conseguires, faz algum desporto. Chora sempre que te apetecer e ri ainda mais. Colabora com os tratamentos, não são veneno, são aliados. Rodeia-te de pessoas felizes e que te amem incomensuravelmente. Aceita e acredita que queres muito estar cá e que és capaz de apanhar esse maldito Pókemon, até pode ser um dos mais raros, mas vais ser capaz!

Qualquer coisa passa lá no blogue, de vez em quando escrevo sobre isso!

 

Maria Amélia

Oficialmente cancerosna desde 24 Dezembro 2005

 

Podes gostar de ler:

Tens Cancro!

O Cancro e o Preconceito

O Cancro e a Mente

 

Tag:

Cancro

 

Créditos da fotografia: Splitshire

2 Replies to “Carta aberta a jovem com cancro”

  1. E tu és mesmo muito especial. Obrigado por existires e por seres nossa! Temos muito orgulho em te ter um pouco para nós, para nos ensinares a viver da melhor forma a cada vez que temos contacto contigo. Desculpa sermos repetitivos, mas gostamos taanto de ti, nossa Amélie! Obrigado! Obrigado por seres quem és. Obrigado por seres uma inspiração! Obrigado!!

    1. Vocês são tão queridos <3

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