Pois não. Nem todas as viagens são divertidas.
Eu adoro viajar.
Há poucas coisas na vida que gosto tanto como conhecer novos povos.
Novas culturas. Novas pessoas. Novos sítios.
Mas nem sempre viajar é sinónimo de divertimento.
Muitas das viagens que faço são a trabalho, logo, sobra pouco tempo para desfrutar, mas acaba sempre por dar, nem que seja por um bocadinho, para espreitar esse novo mundo.
Mas há viagens que são viagens de esperança, e é dessas viagens que falo hoje.
Estou agora sentada no aeroporto à espera do meu voo (que para variar, está atrasado) e entretenho-me a observar as pessoas e a imaginar (ou tentar adivinhar) qual será o motivo desta viagem.
Penso isto desde o dia em que fiz uma viagem de esperança.
Há uns tempos fiz uma viagem onde a empolgação de fazer as malas foi trocada por ansiedade. Onde nas malas não iam roupas, nem sapatos, mas sim ressonâncias magnéticas, TAC’s e análises.
Onde no pensamento vencia o medo e no coração a esperança.
E a fé. Muita fé.
“Vou finalmente com a minha menina à Alemanha e gostava muito que viesses connosco…”
Se no mesmo segundo não hesitei a dizer que iria, a partir desse mesmo segundo, o meu estômago ficou embrulhado, as minhas insónias começaram, o tempo começou a passar rápido de mais…
Como vai ser?
O que nos vão dizer?
Será que…?
A minha cabeça entrou em loop compulsivo. Era um autêntico mundo de perguntas.
Queria estar à altura de qualquer situação, logo tinha que imaginar todos os cenários possíveis.
Afinal tinha sido escolhida para ir, não podia falhar.
Falei com várias pessoas que já lá tinham ido.
Procurei no Google todas as respostas para as perguntas que eu não sabia.
Até que, dois dias depois, estava completamente esgotada e caí em mim.
Percebi que escusava de me martirizar porque nem tão pouco iria adivinhar os cenários que poderiam acontecer, como dentro de todos os cenários, o que eu poderia fazer/dizer seria sempre muito pouco.
Percebi e aceitei que o meu papel era bem mais pequeno do que isso, estava-me a dar importância a mais.
O meu papel era apenas o “estar lá”.
Eventualmente abraçar.
Deixei de tentar adivinhar cenários e também de tentar salvar o mundo.
Isto tudo era bem maior.
Era uma Mãe e uma Filha.
Era uma decisão.
A maior delas todas.
Era tudo na vida.
E eu… era apenas eu.
Dias depois lá fomos.
Todas as esperanças estavam depositadas nesta viagem.
Era o tudo ou nada.
Estávamos positivas. Optimistas. Esperançadas.
Tinha que correr bem!
Porque não haveria de correr?
Éramos quatro!
Nós as três e o Didi (o ursinho de peluche quase do tamanho dela).
Brincámos. Lemos umas coisas no telemóvel. Fomos ver as princesas no Youtube.
“Mama… porque vamos de avião? Tu dizes que não gostas!”
“Hoje gosto, meu amor, hoje adoro aviões.”
Eu estava ali, sempre pronta para a brincadeira, mas por dentro era um misto de esperança e medo.
O coração batia com tanta força no meu peito, que até me custava respirar.
Ao mesmo tempo estava tão grata por estar ali com elas.
Só pensava no que iria na cabeça daquela Mãe.
Talvez porque não levámos bagagem, tenha sido tudo tão rápido…
Não me lembro bem da parte do check-in, nem do controlo…
Quando dei por mim, já estávamos a voar.
A viagem não era muito longa, mas depois do avião ainda tínhamos muito caminho pela frente.
“Estás preparada?”
Houve uma altura que a menina adormeceu e não aguentei mais, tive que fazer essa pergunta à Mãe.
“Para boas notícias… estou. E vão ser boas notícias.”
Quase três horas de consulta e o médico diz:
“Infelizmente com o diagnóstico e estado actual, não podemos avançar para um novo tratamento. Neste momento, a medicina não tem nada para contrariar o quadro. A sua filha precisa de um milagre.”
Como é que se ouve isto?
Sinceramente não me lembro dos minutos a seguir…
Lembro-me que começámos a chutar perguntas desalmadamente…
E que de repente fui brincar com a menina e com o Didi e deixei a Mãe fazer aquilo que tinha que fazer.
Chorar. Gritar. Mandar vir com o médico.
Tudo o que ela quisesse sem que a menina visse.
O meu papel era esse…
Aquele voo, que na ida tinha sido como um foguete, de regresso parecia uma eternidade.
Nunca mais chegávamos.
Tudo demorou muito tempo…
Tempo que não havia assim tanto para gastar…
Quando chegámos, despedi-me delas e mal cheguei a casa, pus-me a caminho de Fátima.
O médico disse que ela precisava de um milagre e eu fui lá pedir esse milagre.
Fui fazer a minha parte.
Pedi com todas as minhas forças.
Pedi tanto tanto esse tal milagre.
Fiz a minha parte, mas não foi suficiente.
Não chegou…
Azul, porque era a cor do céu e do mar como tu dizias.
Créditos da fotografia: Greyerbaby