Caro SNS,
Começo por ter agradecer, simplesmente por existires.
Bem sei que há países onde não tens lugar.
Não digo isto com ironia, digo mesmo com gratidão.
Sei que me foste muito útil durante a minha adolescência e a minha falta de jeito para alguns desportos.
Tantos RX’s, tantas talas e algum gesso.
Depois veio a mota… e aqui subi a fasquia para pontos e pequenas cirurgias.
Era uma roda viva a caminho das urgências.
E tu?
Sempre cumpriste!
Mais ou menos horas de espera, mas saía sempre de lá “tratadinha”, quase como nova!
É verdade que não tive grandes complicações de saúde (sem ser essas avarias) até ao dia em que chegou o big boss, vulgarmente conhecido como cancro.
E a partir daí é que foi despesa…
Quase toda ela disponibilizada por ti.
É verdade que nem sempre havia a agulha certa para as minhas veias…
Nem os pensos de morfina sempre que precisei…
Nem a pomada das veias…
Mas a quimioterapia, essa houve sempre.
E todas as vezes que ela me entrava veia dentro, eu agradecia!
Agradecia não só por ser muito cara, mas por saber que há países que não têm acesso a ela.
As condições nem sempre foram as melhores, mas também naquele momento eu pouco ligava a hotéis de 5 estrelas, eu queria mesmo era safar-me daquilo!
Depois não tinhas a radioterapia que eu precisava, mas rapidamente me arranjaste uma solução.
Se ao início tive uma médica tenrinha que pouco ou nada percebia daquilo e que me ia matando (culpa totalmente tua por permitires que estagiários brinquem aos médicos numa ala tão complicada como aquela), depois tive direito aos tubarões da medicina.
Já te agradeci por isso?
A melhor médica do país e quem sabe além fronteiras da minha doença é a minha médica e eu não pago por isso!
Sorte!
Bom, deixa-me que te esclareça de um pormenor que passa quase despercebido.
Não é só sorte. Sabes que todos pagamos por isso não sabes?
Sabes que vos pagamos o ordenado e nem exigimos assim tanto, não sabes?
Quantas vezes estamos a secar horas numa sala de espera e ainda pedimos “com licença” para entrar no gabinete a o invés de mandar um raspanete como qualquer chefe faria?
Sabes quantas vezes vi primas e sobrinhas de algum médico a passarem à frente de listas de espera e ter que ficar calada para não sofrer represálias?
Sou doente/cliente do SNS com alguma assiduidade na última década e já vi tanta coisa. Se por um lado, sou eternamente grata por me ajudares a estar viva, por outro, tens sido uma desilusão.
Sei que a crise é sempre a melhor das desculpas. Sei que o dinheiro não chega para tudo. Sei que nem todos os médicos têm vocação para o serem e que muitos enfermeiros andam aborrecidos com a possibilidade do desemprego.
Eu sei disso tudo. Eu, e todos os que vos pagamos o ordenado.
Mas olha, a minha vizinha trabalha numa pastelaria e anda tão chateada com o chefe dela que não imaginas. Mas não se vinga nos clientes. Continua a fazer bolos maravilhosos e um pão de deixar água na boca.
E aquele meu amigo que lhe cortaram uma parte do ordenado e os subsídios? Esse também anda danado e até chegou a dizer-me que assim não continua, que se piorar, se despede. Mas também não se vinga em nada, nem em ninguém.
Isto tudo para dizer o quê?
Que a crise é para todos, mas que, os médicos, segundo ouvir dizer, efectuam um juramento solene onde diz qualquer coisa como:
No momento de ser admitido como Membro da Profissão Médica:
Prometo solenemente consagrar a minha vida ao serviço da Humanidade.
Darei aos meus Mestres o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos.
Exercerei a minha arte com consciência e dignidade.
A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação.
Mesmo após a morte do doente respeitarei os segredos que me tiver confiado.
Manterei por todos os meios ao meu alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica.
Os meus Colegas serão meus irmãos. Não permitirei que considerações de religjão, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente.
Guardarei respeito absoluto pela Vida Humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não farei uso dos meus conhecimentos Médicos contra as leis da Humanidade.
Faço estas promessas solenemente, livremente e sob a minha honra.
E é aqui que nasce a minha indignação.
Tu, enquanto Sistema Nacional de Saúde não podes garantir que todos os médicos que existem cumpram este juramento, mas és obrigado a garantir que aqueles que albergas e que nós todos pagamos, o cumpram na tua rede.
És tu que os contratas, tens que garantir isso.
É o mínimo.
E não me parece que isso aconteça!
Eu sei que todos os dias há notícias sobre casos de negligência, não me vou basear no sensacionalismo nacional, mas olha, teres médicos que recebem uma doente 11 vezes numa urgência com o mesmo diagnóstico (ansiedade) sem ter feito nenhum exame e depois ela morre com um tumor na cabeça com 1,400kg.
Isto é de loucos! Primeiro porque essas 11 vezes, a doente com certeza foi vista por todos os “Luís de Matos” que temos na praça, porque diagnósticos só com os olhinhos é coisa que roça a magia e depois diz-me lá, o que vais dizer a esses Pais que perderam a filha?
Sabes que ela morreu e a culpa é tua, não sabes?
E teres enfermeiros que dizem às famílias que todos os doentes que vão para aquele hospital, é para morrer?
Ou ainda, médicos de especialidade que exigem que os doentes façam os exames/análises em laboratórios específicos, porque se os fizerem noutro sítio (mais barato), não os aceitam.
Não achas que os impostos já são uma fatia grande de mais, para ainda estar a ceder a caprichos destes?
Ou aqueles que mandam os doentes comprar os medicamentos do laboratório X ou Z.
Eu sei que o Natal está à porta e que passar a passagem de ano no Brasil é do caraças. Eu sei! Mas não permitas que os médicos andem de mão dada com os laboratórios… anda lá, porta-te como um homenzinho crescido.
E enfermeiros que não “ouvem” as campainhas durante a noite, porque como ganham tão mal, têm que fazer turnos seguidos e aproveitam para dormir uma sesta durante os turnos!
Sim, ganham mal eu sei.
Mas também te digo, que não depende de mim.
Não posso pagar mais.
Tens feito uma boa gestão do dinheiro dos contribuintes?
Ou achas, que as pessoas não percebem?
Ou achas que comemos todos gelados com a testa?!
Só não fazes a mínima ideia do que estou a falar, porque quando ficas doente… vais para o privado ou mesmo para o estrangeiro.
É pena… enquanto não viveres o que se passa, não mudarás o que está errado.
Sim, falo para ti SNS… para ti, para quem manda em ti e no nosso dinheiro!
Despeço-me, agradecendo, mais uma vez, tudo o que já fizeste por mim e a desejar intensamente que revejas os teus princípios.
Nunca te esqueças que se trata de pessoas.
De vidas.
E nada há mais importante que isso.
Nós, deste lado, temos cumprido.
Todos os meses, há muitas famílias que fazem enormes esforços para que tu funciones dignamente.
Faz a tua parte por favor.
E olha, quando ficares doente não vás para fora. Temos médicos, enfermeiros e serviços espetaculares por cá.
Obrigada
Nota:
Quando me refiro aos médicos e enfermeiros, não estou a generalizar, sei que há bons profissionais em todas as áreas, mas também há maus profissionais em todas as áreas.
Créditos da fotografia: Oles Kanebckuu
