Testemunho | Sou uma mulher inteira, porque o cancro não me levou nada que eu não tivesse deixado

Tinha sido um ano intenso.

A minha irmã gémea ia casar no próximo Verão, então eu como madrinha e muito orgulhosa de o ser, andava numa roda viva a preparar tudo.

Sentia-me cansada, exausta. Mas tudo levava a querer que era dessa azáfama que tinha embrulhado a família toda.

Mas um dia no banho senti um caroço. Um caroço grande que se sentia bem.

Fiquei assustada, mas jamais me passou pela cabeça procurar um médico por causa disso.

Um dia perguntei à minha mãe se ela também tinha alguma coisa daquelas no peito e ela disse-me que nunca tinha reparado e que não me preocupasse.

Logo pensávamos naquilo após o casamento, porque, provavelmente, eram nervos e cansaço.

Ela relativizou, eu também, mas não me esqueci até porque várias vezes ao dia dava conta do “caroço”.

Na altura tinha 26 anos, e aos 26 anos nunca pensamos na morte. Nem em doenças.

Um dia, desabafei um com uma amiga sobre o tal caroço e ela rapidamente me obrigou a ir ao médico.

Não contei à família e fui.

Duas semanas depois soube que tinha cancro de mama. Já num estado avançado e todo o plano me foi traçado.

Tinha um longo caminho pela frente e um prognóstico pouco animador.

Desfiz-me em lágrimas. Chorei tanto que fiquei afónica. Tive pena de mim e de todos os que iam ter que passar por isto comigo, por esta tortura.

Cheguei a casa e contei aos meus pais.

A minha mãe reagiu de uma forma estranha, pois disse-me que eu só deveria ter ido ao médico depois do casamento da minha irmã. Na altura, fiquei muito magoada, hoje já a perdoei.

O meu pai ficou num silêncio profundo, que manteve até hoje. Nunca falou sobre a doença. Nunca usou a palavra cancro.

A minha irmã relativizou e pediu-me para não “lhe falhar” nos preparativos da casamento. Cada um, reage à sua maneira.

Eu, com 26 anos estava aterrorizada.

Comecei a quimioterapia na semana seguinte. Foram semanas tão duras. Internamentos longos. Uns dias as notícias eram boas, outros nem por isso.

Os tratamentos levaram-me o cabelo, os pelos, muito peso, equilíbrio, auto-estima, enfim, quase tudo!

Eu sei que o meu aspecto não o era o melhor, mas lembro-me de ficar totalmente chocada quando me pediram para não ir ao casamento da minha irmã, para não ferir susceptibilidades e não chamar a atenção, naquele que seria o seu dia.

Este pedido foi-me feito na véspera do casamento. Estava tudo preparado, só eu é que não fazia ideia que me iam fazer esse pedido.

Não fui. Esse dia foi especial para mim, porque para além de ter sido o pior dia da minha luta contra esse maldito cancro, foi também o dia que prometi a mim mesma que o ia vencer.

E a partir desse dia, fui com toda a força e consegui.

Andei 2 anos e 3 meses de volta desta guerra, mas consegui e tenho muito orgulho em mim por isso.

Hoje, já passaram 15 anos desde o diagnóstico, sou uma mulher com 41 anos. Sou uma mulher inteira, porque o cancro não me levou nada que eu não tivesse deixado. Sou inteira e sou muito mulher.

Não é porque ficamos sem uma maminha ou duas que somos menos mulheres.

Sou uma Mulher de M grande.

E decidi escrever este testemunho porque quero que as Mulheres e Homens que passam por isto acreditem que são capazes, mesmo quando nos sentimos sozinhos ou quando tudo parece estar contra nós. Somos maiores que tudo e somos capazes.

Quando acabei os tratamentos, arranjei trabalho e fui morar sozinha.

Afastei-me das pessoas difíceis que não me quiseram ajudar a lutar.

Mantive aquelas que me deram a mão, não me arrependo de nada.

Não guardo rancor, simplesmente acho que sou mais importante do que qualquer relação emaranhada.

E aquela amiga que me obrigou a ir ao médico, continua a ser a minha melhor amiga.

Hoje, 15 anos depois sinto que nada me derruba. Acreditem que temos muito mais força do que imaginamos.

Por opção, neste novo trabalho e cidade ninguém sabe o que passei. Optei por não contar para não ser tratada como “coitadinha” ou discriminada, como sei de tantas histórias.

Acreditem em vocês e lutem sempre.

Posso não ter enviado fotografia, nem nome, mas envio todo o meu amor e força para quem está a lutar.

 

(Da minha parte… um muito obrigada por esta partilha tão intensa e tão inspiradora. As: Maria Amélia)

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3 Replies to “Testemunho | Sou uma mulher inteira, porque o cancro não me levou nada que eu não tivesse deixado”

  1. O assunto “cancro” era um tabu há anos atrás. Uma pessoa com cancro era vista como alguém que tinha algo “raro”, algo que dava imensa pena às pessoas, com a qual ninguém sabia lidar e da qual ninguém queria falar. A publicidade em forma de alerta para as pessoas se manterem atentas ao corpo era rara, mas existia, embora “só aconteça aos outros”. É mau demais termos de lidar com algo que o nosso corpo nos obrigou a ter e ver que aqueles que achávamos que iam estar lá, só nos colocam de lado. Esse testemunho foi duro de ler :/

    1. Olá Vanessa! Sim é verdade … Muito duro de ler mas principalmente uma mensagem de força muito grande.
      Beijinho

  2. […] Testemunho | Sou uma mulher inteira, porque o cancro não me levou nada que eu não tivesse deixado […]

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